2023-2024

Micose

Micose colectiva 

Os fungos são um reino à parte nos ciclos biológicos. Não são plantas, nem animais ou  bactérias. São um mundo separado e a ciência que os estuda é a micologia. Em trânsito  entre o mundo animal e vegetal ficam num limbo que os torna por vezes inclassificáveis. São  amiúde invisíveis ou inconspícuos, escondidos ou camuflados. Noutros momentos fazem-se  notar de modo exuberante, como acontece com alguns cogumelos. O reino dos fungos é  diverso, mas une-os a capacidade de adaptação e o facto de se nutrirem por absorção.  Destacam-se pelas suas associações mutualísticas e a sua importância ecológica na  decomposição é indiscuNvel, à semelhança, por exemplo, das bactérias. As micoses são infecções provocadas por fungos que se alojam nos corpos. São, pois, o  resultado do labor de habitantes incómodos, por vezes oportunistas, que se intrometem na  vida dos seus hospedeiros. Esta exposição na Casa do Campo Pequeno, ediTcio de história  burguesa habitado por fantasmas e implantado como um objecto singular no meio da  cidade, toma precisamente como mote esta ideia infecciosa, esta presença incómoda de um  grupo de jovens ar)stas que chegam para a ocupar de forma mais ou menos surpreendente e insidiosa. 

Aproximem-se e olhem com atenção. Acham mesmo que estão a entrar num palacete histórico e burguês? Olhem novamente. Observem as paredes, a sua forma e a decoração  ostensiva. Vejam a humidade que escorre e corrói o passado, o pó que se acumulou ao  longo dos anos ou as marcas da usura do tempo e das gentes. Se repararem com cuidado  em cada pormenor, das paredes coloridas ao belo jardim, esta casa não é um objecto inerte.  É um ser vivo. 

Este grupo de estudantes esteve na casa faz algum tempo, uma e outra vez. Toda a gente  estava curiosa – talvez curiosa demais. Algum tempo depois, estranhas criações começaram  a surgir, cascatas de coisas em decomposição, verdadeiras infecções. Pães cobertos de  fungos, tóxicos e radiantes, guilhotinas coquete, corpos decompostos e recompostos em  drag. Vieram também silicones coalhados, música estridente, materiais translúcidos,  canibalismo, corpos suspensos, sangue, alucinações cinemáticas. E cuidado, até o chá pode  estar infectado! Nada de performance: só rituais; pilhas de carnificina. Ao mesmo tempo,  estranhas criaturas, mais ou menos invisíveis, também povoam os muros e esperam ainda  ser capturadas. 

“Tomai e comei, pois este é o meu corpo.” O que teria acontecido se aquele corpo fosse pão  estragado? Ou cordyceps, esse fungo entomopatogênico, malcozinhado? É este o  ecossistema em que se encontram agora. Venham, vejam, toquem e, quem sabe, comam.  Ou não façam nada disso porque, na verdade, não importa. Façam o que fizerem, já foram  infectados. 

Virginia de Diego e Miguel Leal 

Fevereiro de 2024 

Esta é uma exposição dos estudantes do 4º ano de Multimédia da Licenciatura em Artes Plásticas da Faculdade  de Belas Artes da Universidade do Porto, e só foi possível pela generosidade do António Moutinho Cardoso,  que nos abriu as portas da Casa do Campo Pequeno e nos recebeu de braços abertos.

Eu não Consigo!

Ficha técnica:

‘’Eu não Consigo!’’
 2m x 1m x 2,5m
 2023/2024
 Instalação

Sinopse:

A instalação artística ‘’Eu não Consigo!’’ desafia a perceção do espectador sobre a depressão, utilizando uma abordagem imersiva e sensorial para explorar os altos e baixos desta condição humana complexa. Através de um intrínseco jogo de fitas de plástico suspensas – umas finas e transparentes, outras mais grossas e marcadas com frases que ressoam com a dor e o isolamento sentidos durante a depressão – esta obra convida-nos a entrar fisicamente num espaço que simula o tumulto emocional de estar preso dentro de si mesmo.

No coração desta instalação encontra-se uma rede de metal, que serve não apenas como suporte físico para as fitas, mas também como uma poderosa metáfora. A rede representa uma barreira impenetrável, um mecanismo de defesa que, embora intencione proteger, acaba por isolar. A sua natureza fria e rígida simboliza os obstáculos emocionais e psicológicos que dificultam a passagem para um estado de bem-estar, refletindo a luta interna contra as próprias barreiras que a mente cria.

Presas a uma rede de arame, as fitas criam um labirinto de emoções. As mais grossas, gravadas com confissões como “Eu não aguento mais”, “Tenho medo” e “Estou tão cansada”, representam os pesos que puxam para baixo. Enquanto isso, as fitas mais leves, sem inscrições, oferecem um contraste visual, sugerindo momentos de alívio e a leveza que se anseia. Ao caminhar através desta floresta de sentimentos suspensos, o visitante experimenta uma representação física da luta interna entre sucumbir e resistir.

Acompanhando a experiência visual, um áudio envolvente acentua a atmosfera da instalação. Sons suaves, com vozes quase imperceptíveis e um uso deliberado de reverb, criam uma sensação de distância e introspecção, evocando a forma como os pensamentos podem parecer ao mesmo tempo íntimos e inacessíveis.

‘’Eu não Consigo!’’ é mais do que uma instalação, é um convite à reflexão e empatia. Ao mergulharmos neste ambiente, somos levados a reconhecer a complexidade da depressão, enquanto somos lembrados da força que reside na vulnerabilidade e na esperança de superação. Esta obra não apenas visualiza o ciclo da depressão, mas também sugere um caminho através dele – um caminho marcado pela possibilidade de dizer “Eu consigo” e realmente acreditar nisso.

Amizade

AMIZADE SOB O SIGNO DE SATURNO

‘Amizade’ é a exposição dos finalistas da Licenciatura em Artes Plásticas – Multimédia da FBAUP, um dos momentos de apresentação dos resultados em processo do seu trabalho de estúdio ao longo deste ano. Apesar do título, não se trata de um exercício sobre a amizade. É amizade em estado puro, sem mais explicações, um exercício coletivo e partilhado da liberdade.

1. SATURNO

Na antiga Roma, no fim do ano, celebravam-se as festas chamadas Saturnalia. Eram momentos de alegria e festa que tinham também um lado perturbador e sacrificial. Realizadas em honra de Saturno, diz-se que tinham um caráter carnavalesco, pondo em jogo a identidade individual e a rigidez dos regimes sociais. No meio dos banquetes, os senhores faziam de escravos e os escravos de senhores, os homens vestiam-se de mulher e as mulheres de homem. Elegia-se um Senhor das festas, com o poder de dar ordens absurdas e caprichosas, alguém destinado ao desgoverno de um mundo caótico e imprevisível. Baralhavam-se as normas sociais e jogava-se com os papéis atribuídos a cada um. As festas eram pretexto para a licenciosidade, o jogo, os excessos e a inversão do rumo normal da vida. Tratava-se de um momento de libertação de energia, de inocência e, talvez, de celebração do ócio produtivo.

A Saturnalia seria a celebração de um reino utópico. Todos sabiam que a suspensão de certas normas, o nivelamento social, o transformismo e a partilha desses dias eram temporários e tinham limites e que, no final das festas, tudo voltaria a ser o que era. Ainda assim, a simples construção temporária desse espaço comum era o sinal de um mundo por vir, um mundo onde, em lugar das amarras sociais, políticas e económicas, a liberdade e a alegria seriam possíveis.

2. AQUI PRATICA-SE ARTE

No mármore que cobre a grade à saída de uma das aulas do Pavilhão Sul, encontra-se uma gravura em bruto na pedra: “aqui pratica-se arte”. E é a palavra ‘praticar’ que dá todo o sentido a esta frase e que ressoa no trabalho da turma de finalistas de multimédia. ‘Amizade’ é uma exposição que revela a ‘prática’ da arte, em vários sentidos.

Os projetos destes estudantes têm uma fluidez medial e resultam de uma prática que se faz do seu próprio fazer. Todos eles destilam uma qualidade e uma capacidade performativa próprias, misturando disciplinas e recusando qualquer entendimento rígido da prática artística e dos seus códigos, atravessados como são por agências múltiplas, mutantes e coletivas.

3. MICOSE

Os fungos são seres misteriosos e incompreendidos, com diversas funções ecológicas. Entre eles, estão os parasitas, leveduras e saprófitas, responsáveis pela decomposição da matéria orgânica e dos simbióticos, as micorrizas.

A sala de aula aparece-nos aqui como entidade subterrânea e assinada de criação. Parece que devido à porosidade da prática – micose artística – cresceram fungos, que por sua vez se transformaram em parasitas e micorrizas. Parasitas múltiplos e mutantes que materializam formalmente a decomposição; micorrizas que afirmam a instabilidade da colaboração e da partilha como seu motor, num desafio às noções mais convencionais de autoria, individualidade, ou mesmo de identidade. A prática é aqui vista, ao mesmo tempo, como coisa una e múltipla: uma agência coletiva por oposição à ideia de que o ensino artístico é centrado exclusivamente numa qualquer subjetividade autoral de raiz modernista.

4. WHORE WHORE

O que está além, dentro, diante do espelho? Talvez uma reviravolta transformadora e utópica? Um ser com lábios, com uma cabeça que muda de essência a cada dia. Um drag em que não sabemos se o dentro é fora ou se o fora é dentro. Um mantra ritualístico que cresce com um eco do além-além-de-aqui: WHORE WHORE.

‘Amizade’ é também um exercício trans(formativo) que inverte a lógica espacial da FBAUP. O Museu e restantes espaços expositivos são agora, literalmente, o estúdio da turma. Inversamente, o estúdio, no Pavilhão Sul, bem como outros locais da escola, transformaram-se em espaços de exposição, apropriados e ocupados pelos estudantes. O espaço de exposição é o espaço de trabalho; o espaço de trabalho é o espaço de exposição. Up is down, down is up.

Há, pois, nestes gestos transformistas – WHORE WHORE – um desafio aos esquemas rígidos que definem, de um modo geral, a academia.

5. SALDOS

E, como tudo é um e um é múltiplo, não poderia faltar aquele lugar de sonho, esse mundo de falso excedente, de opulência, materializado na gnose da ideia de ‘saldo’. Assim, expõe-se – com um tom de humor saturnino – a escassez de recursos e a dificuldade de acesso dos alunos àquilo que, em última análise, lhes pertence: a escola.

Existe uma escola por vir? Não sabemos, não nos é dada uma resposta. ‘Amizade’ ensina-nos apenas que a única forma de continuar é praticar, praticar, praticar. Pode não haver mais uma capa de telemóvel no planeta, nem mesmo uma única obra de arte. Mas há uma atitude: às vezes é lisonjeira, às vezes é desafiadora, mas é sempre política.

Essa prática – e não a arte – só é prática quando é coletiva.

Miguel Leal 

Virginia de Diego 

Maio 2024

Natural(mente)

Ficha técnica:

”’Natural(mente)”
2023/2024
Instalação

Sinopse:

A luz pode emergir da escuridão, e como a sombra, pode estar presente mesmo nos momentos mais iluminados.

Ritos de Presença

Cognitivo 

11 Fotografias 

Sinopse:

Nossos pensamentos e crenças influenciam fortemente nossas emoções. Se acreditamos que algo é perigoso, isso pode nos causar ansiedade, enquanto acreditar que algo é seguro pode nos trazer conforto.

Fotografias escolhidas: